quarta-feira, 23 de março de 2011

COMERCIO ELETRÔNICO GERA DEBATE SOBRE MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO

 


Nessas duas décadas, o comércio brasileiro passou por uma grande transformação, especialmente em relação à evolução da tecnologia. O advento da internet e do comércio eletrônico alterou profundamente o relacionamento entre empresas e clientes, o que leva os legisladores e entidades de proteção aos consumidores a debaterem a necessidade de uma renovação nas regras.

Hoje em dia, as vendas através da internet representam uma das fatias mais importantes e lucrativas do varejo nacional. De acordo com dados da e-bit Informação, empresa de monitoramento de comércio eletrônico, o setor faturou R$ 15 bilhões em todo o País em 2010, volume superior ao de todos os shopping centers do estado de São Paulo. Além disso, mesmo quem não realiza compras virtuais acaba muitas vezes sendo influenciado pela rede. “Estima-se que mais de 50% das vendas no varejo hoje sejam influenciadas pela internet”, afirma Alexandre Umberti, diretor de marketing e produtos da e-bit.

A fim de deixar o CDC mais atualizado em relação aos novos tempos, o Senado chegou a formar uma comissão no final do ano passado que pretende implantar alterações na legislação de proteção aos consumidores. Entre as mudanças sugeridas está a implementação, por meio de lei complementar, de uma regulamentação das operações comerciais pela internet. A necessidade da legislação é destacada por Herman Benjamin, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e presidente da comissão, que lembra que em 1990, quando foi promulgado o CDC, o comércio virtual não existia e, por isso, “nem sequer se colocavam tais assuntos, devido à perspectiva tecnológica da época”.

No entanto, para representantes dos órgãos de defesa dos consumidores, as relações de consumo no comércio eletrônico já estão definidas pela atual legislação. “Não é preciso existir um novo direito do consumidor por causa da internet. Todos os princípios já estão no CDC, a web apenas potencializa o poder dos clientes em ter mais autonomia na hora de reclamar, comprar, ser mais crítico e se comunicar com outros consumidores”, explica Guilherme Varella, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Para o especialista, a maior necessidade legal seria a de garantir a proteção e sigilo dos dados fornecidos na rede pelos consumidores. O advogado lembra que, muitas vezes, quem realiza compras eletrônicas não se preocupa com a forma como as informações que fornece estão sendo usadas pelas empresas. “É um erro achar que não somos monitorados, muitos sites possuem cookies - grupo de dados trocados entre navegador e servidor armazenados em arquivos - que retiram informações, enviadas para um banco de dados e que são usadas para fazer propaganda direcionada. Até hoje isso ainda não é regulado”, destaca.

Atualmente, essa questão é um dos temas que deve fazer parte do marco civil da internet. A proposta, que está atualmente na Casa Civil, define direitos e responsabilidades de usuários e provedores. As normas para garantir a privacidade dos cidadãos na rede mundial deverão ser complementadas, segundo o Ministério da Justiça, por um anteprojeto de lei que trata da proteção de informações pessoais em bancos de dados.


Redes sociais mudam relações entre clientes e empresas
Outra mudança trazida pela internet são as novas formas para que os consumidores possam exigir o cumprimento de seus direitos. Segundo o advogado do Idec Guilherme Varella, antes da chegada do mundo virtual, o comprador era um agente passivo, apenas recebendo produtos e assimilando informações, e tinha dificuldade de expressar sua insatisfação quando necessário. “Agora, principalmente, com as redes sociais, ele tem um caminho mais fácil para se comunicar, expressar sua opinião e dialogar com outros consumidores. As empresas se sentem cada vez mais acuadas diante dessa nova dinâmica”, afirma.

Um exemplo recente dessa tendência foi o caso do vídeo postado pelo consumidor Oswaldo Borrelli no YouTube contra a Brastemp. No segundo semestre do ano passado, o servidor público de Santana de Parnaíba (SP) chamou duas vezes a visita técnica da empresa para consertar um defeito em sua geladeira. Sem resultado, Borrelli ficou mais de 90 dias sem conseguir com que a empresa resolvesse o problema ou trocasse o aparelho.

Então o consumidor perdeu a paciência. Após denunciar a empresa no Procon, o servidor decidiu arrastar o eletrodoméstico até a frente de sua casa e colocar um cartaz acusando a Brastemp de falta de respeito com os seus consumidores. Antes disso, já havia feito mais de 10 ligações para o SAC da empresa, sempre sem resultado. “Só me davam respostas padrão, e no dia seguinte tinha que repetir a mesma história”, declara.

No dia em que fez seu protesto na rua, Borrelli pediu para sua filha gravar um vídeo, apelando para que os internautas divulgassem o problema que estava enfrentando. O registro foi então colocado no site YouTube e divulgado no Twitter. A gravação ganhou tanta audiência em um tempo tão rápido que obrigou a fabricante a se desculpar publicamente pelo defeito e pelo mau atendimento, a ressarcir o dinheiro investido e a trocar o refrigerador, resolvendo o caso no dia 24 de janeiro. “Nós, as pessoas que estão por trás da Brastemp, nos sentimos muito frustrados quando uma falha como a cometida com o senhor Oswaldo acontece, porque todos os nossos consumidores são igualmente importantes”, declarou a empresa em nota.

Quando divulgou seu problema na internet, Borrelli tinha apenas 16 seguidores em sua conta no Twitter. Hoje tem mais de 3,4 mil, e o vídeo postado é o primeiro que aparece no YouTube ao se pesquisar a palavra Brastemp. “O prejuízo que isso causou na imagem deles é muito grande. As empresas têm que atender rapidamente aos consumidores, porque eles têm uma arma eficiente nas redes sociais”, comenta Borrelli.


Uso da web para reclamar deve ser último recurso, afirma especialista

Embora aprovando o uso da internet para a divulgação dos problemas enfrentados pelos consumidores, especialistas acreditam que as redes sociais devem ser o último recurso a ser utilizado. “As empresas são obrigadas a ter uma estrutura de atendimento ao consumidor e ele precisa registrar sua reclamação nos órgãos competentes, como o Procon, para que sejam questionadas legalmente quando desrespeitam seus direitos”, afirma Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste).

Maria Inês lembra que existem muitos vídeos e comentários na rede falando de dificuldades enfrentadas com produtos e serviços. No entanto, sem um registro oficial no Procon ou outros órgãos responsáveis, muitos desses problemas ficam sem solução. “Na internet os consumidores acabam extravasando suas angústias, mas esquecem de fazer uma denúncia formal. Alguns produtos, por exemplo, precisam ser retirados do mercado e isso é o poder público quem faz”, explica.

Além disso, a possibilidade de realizar declarações anônimas em vários sites também pode prejudicar a verdade sobre certos produtos. “Muitas vezes empresas e pessoas criam contas falsas, a fim de publicar opiniões positivas sobre produtos que estão sofrendo reclamações, ou mesmo para atacar seus concorrentes”, comenta.

Fonte: Folha de S.Paulo, Estadão, Jornal do Comércio

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